segunda-feira, 5 de março de 2007

A Indesejada das gentes

Enquanto escrevo esse texto, minha antiga igreja está lotada. Isso não é nada fantástico conhecendo de antemão a Casa de Oração em Retiro do Muriaé. Mas o fato é que não há espaço algum dentro do templo. Enquanto muita gente se espreme nas janelas, outras se apinham nos corredores. Dentro, um homem segura uma Bíblia a aberta e fala devagar. Ao seu lado, Lília ocupa um caixão florido. Ela é minha prima, mas passei a vida inteira chamando-a de tia. Tia Lília morre com pouco mais de cinqüenta anos depois de dez anos de luta contra oAlzheimer.

Eu vivo tentando não pensar na morte, mas ela não deixa. Vez por outra ela se esgueira ao meu redor tentando me lembrar de que, cedo ou tarde, serei o próximo, ou pior – alguém que eu realmente ame. Ela me assusta. Não pelo que virá depois, mas pelo encontro propriamente dito. Eu quereria morrer dormindo pra nunca saber que morri.

Sou cristão, e digo isso como se falasse de um tempo onde isso fizesse mais sentido do que faz hoje. Minha fé nem sempre me ajuda, mas nunca me atrapalha. Acredito no céu e, em momentos como esse, é pra lá que se voltam os meus pensamentos. Muitas vezes eu fugi para o céu por não suportar a terra, mas hoje eu penso nele com os meus dois pés cravados no chão. E tenho esperança.

Eu não irei ao velório, e não irei pelo mesmo motivo que não vou a velório algum: qualquer lembrança é melhor de se guardar do que essa. E tenho lembranças melhores. Enquanto escrevo, a morte me carrega um pouco... e me lembro de um poema que escrevi há algum tempo e que terminava assim:

Pequena morte

A nos levar pequenas partes

Até ser grande

E nos levar completamente.


Apesar da melancolia, o que me salta à mente a urgência da vida. Essa vida frágil e preciosa.

Carpe Diem.

Um comentário:

André von Held Soares disse...

Primeiramente, meus pêsames. Quando a vida nos colhe um de nossos amados, por um lado incompreensível, não há muito o que entender.
Em segundo lugar, parabéns pelo blog.
Estamos aí.
Beijos mil.