sábado, 28 de abril de 2007

Pequena manhã

Eu tenho uma paixão pueril pelas madrugadas. Não se trata de um surto de boemia ou um lapso de poeta romântico. Já vivi alguns anos atrelados aos dois, e por isso mesmo sei bem a diferença de agora. Eu gosto do cheiro da noite aberta. Eu gosto do silêncio, que é bem mais uma voz murmurante que silente. Eu gosto de ver as pessoas dormindo e de adormecer enquanto despertam. Eu gosto desse desencontro não premeditado. À noite, as coisas são o que são e não há o exagero de luz que obriga, às vezes, o disfarce. Mas apesar dessa declaração pública de amor aos ares noturnos, foi a luz quem me presenteou essa semana.

Eu me preparava pra dormir quando tive a impressão de que todas as luzes da casa dos meus pais haviam se acendido. Pelo vão da porta da sala transbordava um caudaloso feixe de luz. Demorei um pouco até me lembrar de que o sol nascia de frente pra nossa casa, mas não me demorei nada em subir as escadas e me apresentar ao sol. E eu fui literalmente alcançado por essa esperança matutina. Ali, debruçado no parapeito de uma janela, eu lembrei de muitas outras vezes em que um nascer do sol foi capaz de instaurar em mim um sentimento urgente de esperança.

Pensei também naquela manhã de um domingo de Páscoa, onde muitas pessoas acordavam com os olhos doídos de chorar e com as almas esfaceladas. Pensei naquelas mulheres que se arrastavam cabisbaixas e com o braços repletos de especiarias. Tento visualisar o túmulo aberto de Jesus, e o sol ganhando lentamente a superfície irregular da rocha entalhada, e os olhos daquelas mulheres ganhando os espaços vazios. Fiquei pensando que naquela manhã a esperança humana foi elevada ao ponto mais alto. E essa mesma manhã vem iluminando a minha vida ainda mais que o sol, e toda esperança que tenho é o eco desse grito contra a morte.

Sou todo feito de esperança.


Veja, a manhã resplandece!
Que mistérios haverá
Por trás de um raio de sol?
Tu não sabes, nem mesmo eu.
Mas chega-te à janela,
Fecha os olhos e verás.



terça-feira, 24 de abril de 2007

A doença de Maiakovski

Eu ainda estou um pouco impressionado com a fatalidade ocorrida na Universidade Tecnológica da Virgínia. Eu deveria ser politicamente correto e escrever “chocado”, mas como não concorro a nenhum cargo político, posso me reservar o direito de ser apenas correto, pelo menos comigo. Tento esquecer, mas nenhum noticiário tem me deixado: uma semana de notícias diárias, talvez horárias. E aquele maluco, que de maluco não tinha nada, ainda ganha destaque na mídia e o vídeo com seu depoimento ganha o mundo, inclusive o Brasil. Um pseudo mártir de uma causa sem causa. Na mesma semana, uma operação policial num dos morros cariocas deixa, se não me falha a memória, 19 mortos. Apareceu um dia nos jornais; talvez dois.

Não venho aqui advogar que tragédias americanas sejam supervalorizadas, por mais que eu acredite que sejam. A grande questão mesmo é que não importa de onde a tragédia venha, ou quanto tempo ela seja exposta - a gente sempre se esquece. A dor alheia é uma névoa que se dissipa com extrema facilidade, e o meu coração anda embrutecido demais para perceber nuances tão delicadas. Eu sou um bruto de atos educados: a pior espécie.

O advento de Jesus instaurou a idéia do “amor ao próximo” naquele binômio em que os mandamentos eram resumidos. Na parábola do Bom Samaritano, o Messias faz uma pergunta inquietante, e eu faço da sua a minha própria pergunta: quem é o meu próximo? Confesso que o meu próximo não tem rosto, nem nome, nem qualquer identificação. Ele é apenas um dado abstrato. Tão desconhecido quanto os que morreram na favela ou no campus universitário. Eu não consigo amar o meu próximo porque ele não é uma pessoa. Ele é simplesmente um termo bíblico, um espectro teológico. Talvez seja eu mesmo quem não lhe confira um rosto justamente para não me comprometer.

O poeta russo, Maiakovski, escreveu que, enquanto todos tinham um coração do tamanho de um punho fechado, ele sofria de uma rara anomalia anatômica: ele era todo coração. Que doença terrível! Acredito piamente que Deus possa curar qualquer doença, e ele o faz com seus critérios misteriosos. Mas hoje eu quereria que a minha oração fosse ao contrário, e que, ao invés de curado, eu fosse adoecido, profundamente adoecido. Eu quero a doença de Maiakovski.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Orkut, Orkut meu, quem é tão estranho quanto eu?

Resolvi fazer uma faxina no meu orkut. Se eu tivesse a noção do quanto isso seria trabalhoso, nem começaria, mas agora é tarde e não volto atrás. Enquanto eu deletava algumas comunidades, me perguntava o que realmente havia me levado a ingressar em algumas tão peculiares como "Seu Madruga pra presidente" ou "Quero Yakult de dois litros". Sei que, a essa altura do campeonato, o que não deve faltar é estudo socio-psico-ecomonicomportacional sobre o orkut, mas não sei se vocês já reparam que a maioria das comunidaes do orkut parace compartilhar da mesma natureza: a celebração das maluquices que fazemos (ou pensamos) e que achamos que ninguém mais no munda faz (ou pensa).

Eu costumava, em meio a muito espuma de xampu, segurar meu frasco de Seda com aloevera e agradecer à Academia por mais aquele prêmio. Entrava e saía ano e eu sempre ganhava um oscar. Imagine descobrir num belo dia que um ato tão idiossincrático como aquele era compartilhado poe milhares de pessoas. Eu não era tão estranho afinal - ou pelo menos não era o único. E esse sentimento vai se repetindo a cada vez que encontro mais gente que não sabe dar estrelinha, quer coca cola de vinte litros, teve um pogoball ou cursou Letras na UFRJ.

A cada dia fico mais convencido de que o Orkut é um sintoma moderno de um mal muito antigo: a dificuldade de se estabelecer uma conexão real com outra pessoa. O Orkut vem me parecendo nada mais que uma resposta superficial para um anseio extremamente profundo. Quem nunca encontrou ou foi encontrado por um velho amigo de escola? Quinze minutos de euforia e nada mais. Quem nunca recebeu um convite de alguém pra ser seu "amigo" e mal lhe cumprimenta aqui do lado de fora atire o primeiro mouse. Há sempre um bom número de exceções, claro.

Há coisas realmente boas. Eu, por exemplo descobri que tenho mais parentes que imaginava (haja Boldrinis nesse Brasil), mas isso não mudou nem um pouco a minha vida. Nem pra um cafezinho italiano a gente se convidou. A vida acontece do lado de fora do Orkut, mas não abro mão dele de jeito nenhum. Quem mais me lembraria do aniversário de mais de trezentas pessoas??