quinta-feira, 29 de março de 2007

Mudanças...mudanças

Há dois dias raspei o cabelo. Pode parecer um acontecimento fútil pra ganhar destaque nesse blog, mas já se vão mais de seis anos sem que mortal algum tenha visto meu couro cabeludo. Decisões desse tipo nunca são tomadas com antecedência muito superior a dois dias. A gente não senta e traça um plano para os meses seguintes, nem faz um gráfico demonstrando a escala ascendente da recuperção dos cachos. Não! A gente acorda e, num instante de iluminação profunda, segue para o barbeiro. Pela primeira vez eu senti o peso daquele texto bíblico que fala em irmos como ovelhas ao matadouro. O contexto nem de perto é o mesmo, e perdoem-me a ousadia da comparação.

Me senti (com o pronome assim mesmo no início da frase) como a Camila de Laços de Família. Não me refiro ao romance da Clarice Lispector (infelizmente), mas à homônima obra da teledramaturgia brasileira. Aquela, onde todo mundo é feliz no Leblon e onde ninguém esbarra num crente, afinal somos apenas 30% da população. Se dois milhões de evangélicos reunidos não conseguem chamar a atenção do Jornal Nacional, muito menos do Manoel Carlos... estou me desviando, eu sei. É que sem a proteção capilar, os pensamentos voam com mais facilidade.

Minha sobrinha demorou meia hora para me reconhecer, e eu ainda me assuto toda vez que passo por um espelho. Osmar recitaria Retrato, de Cecília Meireles, com aquela voz de baixo profundo (ele anda achando que é Cruz e Souza, e eu assino em baixo). Já carrego a minha cota de arrependimento e, por isso, não me peçam fotos. As mudanças na minha vida (e da minha vida)quase sempre acontecem assim, meio que a galope. Às vezes sou pego de suspresa pelos outros, às vezes sou tão rápido que eu mesmo me suspreendo. A corda sempre arrebenta no fio mais fraco, diria o meu cabelo.

A vida vai por aí. Vasta, grandiosa e cheia de reviravoltas. Como um rio, muda sempre e continua a mesma. E por falar nisso, resisti a essa maldita frase por todo esse texto, agora eu entrego os pontos.

Minha voz continua a mesma, mas os meus cabelos... (maldita publicidade brasileira).

quarta-feira, 21 de março de 2007

A difícil arte de permanecer de pé

Aprendi a andar pouco antes de completar um ano de idade. De lá para cá, eu não parei mais de tropeçar. Minhas quedas são proporcionais à minha vontade de permanecer de pé. Carrego no corpo uma série de marcas dessa trajetória acidentada. Algumas são bem evidentes, como as dos joelhos, mas outras ninguém percebe a não ser que eu as mostre. Boa parte dessas marcas são resultadas de pura imprudência - imprudência essa muitas vezes consciente. Outras são o resultado de um simples descuido ou acidente.Humano que sou, carrego meus tropeços para a minha caminhada com Deus.

É estranho caminhar ao lado de quem não se pode ver de olhos abertos. Talvez seja por isso que eu caia tanto. Kierkegaard dizia que a experiência de fé era sempre um salto no escuro, em direção àquilo que não se pode ver. Às vezes eu quero ter a certeza plena de que Deus está alí do meu lado, e para isso eu abro os olhos, e tropeço. Talvez por substitui-lo, frequentemente, por algo visivelmente mais tangível. Nem sempre estou realmente à sua procura. É como se eu quisesse continuar a caminhada com o corpo enquanto meus olhos se deslumbram com outras coisas. E caio. Meus joelhos estão esfolados, mais pela queda em si do que pela atitude de me prostrar, arrependido. Deveria ser ao contrário, eu sei.

Sei que o meu pecado, essa palavra intimidadora que eufemísticamente venho chamando de tropeço, se deve basicamente à minha condição de humano e de saber que o erro me é inerente. Se cedo ou tarde eu sei que vou pecar, porque me esforçar tanto para resistir? "Não posso evitar, é minha natureza", respondeu o escorpião em uma fábula bem conhecida. Pensar dessa forma me fez, durante muito tempo, conivente com as minhas mazelas e com a minha própria covardia e omissão. Também carrego, neste caso, muitas cicatrizes. É preciso chegar bem perto para se ver algumas delas e, nem mesmo eu, tenho a noção exata de cada uma.

Mesmo querendo permanecer de pé, cedo ou tarde irei cair novamente. A Graça de Deus irá me encontrar e me restaurar mais uma vez, e outra, e outra, e quantas vezes for preciso. Infelizmente, é uma grande tentação querer legitimar a não resistência baseado nessa Graça que sempre me perdoa. Afinal, Deus não se lembra dos meus pecados. As cicatrizes, contudo, ainda estão aqui, espalhadas para que eu me lembre e me envergonhe. Não como um fantasma que não se exorcisa, e,sim, como marcos pela minha trajetória. Para que eu sempre me lembre de onde venho e de quem eu posso me tornar se insistir em caminhar sozinho.

Sei que cedo ou tarde vou tropeçar nos próprios pés, mas que seja cada vez mais tarde.

terça-feira, 13 de março de 2007

Pesca maravilhosa

Numa das minhas idas e vindas a Itaperuna, escrevi que voltar, às vezes, é como nunca ter partido.É estranho revisitar essa sensação de maneiras diferentes a cada vez que venho visitar meus pais depois de sete anos morando no Rio. Apesar de nada ser como antes, algum resquício permanece inalterado. Algo que não sei precisar muito bem, mas que sinto - inegavelmente. Não quero uma explicação pra isso. Racionalizar as coisas pode roubar muito de sua beleza intuitiva. Não quero correr o risco.Um desses momento aconteceu ontem.

É muito comum eu acabar invertendo meu relógio biológio quando estou por aqui. Fico a madrugada toda imerso num monte de coisas (inclusive esse blog) e vou dormir quando todo mundo está acordando. O momento em que você pára e pensar se quer realmente dormir é um tanto perigoso, e foi justamente ele que deflagrou uma série de ações automáticas. Saí e fui até a varanda sentir o cheiro da manhã. Foi então que vi, no canto da parede, uma vara de pescar. Eu já havia passado por alí inúmeras vezes nessas semanas, mas era a primeira vez em que eu realmente olhava pra ela. Pescar... que mal isso faria.

Pescar sempre me leva de volta ao início da década de 90, onde meu avô paterno ainda era vivo. Eu revisitei esse tempo várias e várias vezes nessa manhã. Enquanto eu fisgava meus lambaris e os colacava num balde, conversava com Deus numa espécie de prosa entre amigos íntimos. Assim mesmo como somos - íntimos. Ele não disse muita coisa (Deus é um cara um tanto econômico com as palavras), mesmo assim foi perfeito. Pude parar e pensar na minha vida e no rumo que ela toma a cada dia. Percebi que estava tendo a minha própria pesca maravilhosa. Não, não pesquei toneladas de peixinhos. Percebi que também tenho jogado minhas redes em lugares em que não vejo muita possibilidade de retorno. Mas continuo jogando. Porque sinto profundamente que a Sua voz tem me guiado a fazê-lo.

Sei que, no tempo certo, elas virão repletas.

sábado, 10 de março de 2007

Aprendendo a esperar

Deixei Rosa na rodoviária de Itaperuna com o coração mais doído do que das vezes anteriores. Talvez por não ter podido acompanhá-la até o Rio e depois até o aeroporto, onde já vi meu coração ganhar os céus em aeronaves da Gol. E não era em maletas de transplantes cardíacos. É impossível se acostumar e nada te prepara pra esses momentos. Despedidas. Despedidas. Despedidas. Digo assim, três vezes, pra ver se a palavra se dissolve na minha boca e perca o sentido. Mas não perde.

Como foi fácil me acostumar com a sua presença sem me dar conta de que, cedo ou tarde, o inevitável mais uma vez nos seria inevitável. Fácil é acompanhar seu sorriso, respirar o seu suspiro, me aninhar nos seus cabelos. Fácil é querer isso todos os dias por todos os dias da minha vida. Difícil é dizer “até breve” e “o coração entender “ adeus”, e se doer como de adeus fosse. Difícil é a ausência superlativa que me leva às minhas primeiras aulas de teoria literária: "Ausência não é falta. Falta é aquilo que não se tem. Ausência é aquilo que por se ter demais, não cabe no discurso. Extrapola". Fora dos livros a teoria é sempre outra. Ausência é a presença que nos falta e cresce ao nos encher de vazio.

Continuo aqui, à espera da plenitude do encontro, onde o abraço não se aparta e o beijo não se cala. Continuo aqui, a 2180 quilômetros da distância que só irá se completar horas depois de postar esse texto. Contrariando o que muita gente acredita, paciência não é uma das minhas maiores virtudes. Esperar é sempre difícil, mas difícil mesmo é não ter esperança.

terça-feira, 6 de março de 2007

Fundo pro fundo profundo

Se alguém tentou ler esse texto no fundo do meu blog deve tê-lo achado um tanto estranho. Não é por causa das lacunas não. Ele é estranho mesmo e na íntegra:


Fazer-se esquecida a voz. A palavra olvida. Somos todos feitos de puro
esquecimento. Nossa lembrança é a luta contra a falta de espaço, contra o vazio.
O que é importante salta à superfície, o que é escuro submerge. Vez por outra, a
tensão é invertida: o que é importante adormece à sombra do escuro iluminado.

Nosso suplício é limpar o rosto com as mãos manchadas; e não há espelho algum.
Há somente o olho alheio. Dizemos que o tempo apaga, mas o tempo é a borracha
velha que nada esconde, só espalha a mancha sobre a folha. Se a palavra fosse ao
vento, era a poeira. Ora em tempestade ora invisível, mas alí. Somos todos
feitos de esquecimento. Feitos da palavra que não volta. Feitos da palavra que
fica, escrita, ouvida, ou vida ou morte.

Somos todos feitos de caminhos. Esquecemos sempre para onde vamos, mas a
trajetória é mais forte que o esquecimento. Continuo caminhando. Eu sei para
onde vou, mas às vezes me esqueço. Mas Ele sempre me lembra. Palavra Olvida.
Palavra Esquecida, relembrada em sussuros. Sua voz é como a brisa: nem sempre
se ouve.

Mas está sempre aqui.



A melancolia ainda ronda. Eu quero o sopro de Deus.

segunda-feira, 5 de março de 2007

A Indesejada das gentes

Enquanto escrevo esse texto, minha antiga igreja está lotada. Isso não é nada fantástico conhecendo de antemão a Casa de Oração em Retiro do Muriaé. Mas o fato é que não há espaço algum dentro do templo. Enquanto muita gente se espreme nas janelas, outras se apinham nos corredores. Dentro, um homem segura uma Bíblia a aberta e fala devagar. Ao seu lado, Lília ocupa um caixão florido. Ela é minha prima, mas passei a vida inteira chamando-a de tia. Tia Lília morre com pouco mais de cinqüenta anos depois de dez anos de luta contra oAlzheimer.

Eu vivo tentando não pensar na morte, mas ela não deixa. Vez por outra ela se esgueira ao meu redor tentando me lembrar de que, cedo ou tarde, serei o próximo, ou pior – alguém que eu realmente ame. Ela me assusta. Não pelo que virá depois, mas pelo encontro propriamente dito. Eu quereria morrer dormindo pra nunca saber que morri.

Sou cristão, e digo isso como se falasse de um tempo onde isso fizesse mais sentido do que faz hoje. Minha fé nem sempre me ajuda, mas nunca me atrapalha. Acredito no céu e, em momentos como esse, é pra lá que se voltam os meus pensamentos. Muitas vezes eu fugi para o céu por não suportar a terra, mas hoje eu penso nele com os meus dois pés cravados no chão. E tenho esperança.

Eu não irei ao velório, e não irei pelo mesmo motivo que não vou a velório algum: qualquer lembrança é melhor de se guardar do que essa. E tenho lembranças melhores. Enquanto escrevo, a morte me carrega um pouco... e me lembro de um poema que escrevi há algum tempo e que terminava assim:

Pequena morte

A nos levar pequenas partes

Até ser grande

E nos levar completamente.


Apesar da melancolia, o que me salta à mente a urgência da vida. Essa vida frágil e preciosa.

Carpe Diem.

sábado, 3 de março de 2007

Primeiras palavras

Já perdi a conta (talvez por nunca tê-la feita) de quantos diários já escrevi nessa minha vida. Mas isso não significa que eu tenha terminado algum. Não pensem, por favor, que essa irresponsabilidade literária se estenda por outras áreas da minha vida. Ostento, com certo orgulho, o meu montante de projetos bem terminados. A culpa não é minha; é da prosa.

Sempre me dei melhor com textos concisos, e os meus cadernos de poemas não me deixam mentir sozinho. Na verdade a culpa é da palavra. Não a palavra que se junta a outra e outra nessa minha sitaxe maltrapilha, mas a palavra que você definitivamente não vai encontrar nesse texto. A culpa é da palavra que não encontro. Aquela que, numa espécie de Big Bang (verdadeiro) é capaz de explodir e povoar tudo de significado.

Precisei cursar toda a Faculdade de Letras para descobrir que , no fundo, a minha paixão era pela imagem. " Uma imagem vale mais que mil palavras", diria algum sábio de plantão. Mas é nesse ponto que me sinto acuado, terrivelmente acuado. Não seria a palavra - essa palavra grafada e lida - também uma espécie de imagem que decodifico?

Teorias e sono à parte, estou tentando confessar da melhor maneira possível que [engolindo em seco] tenho uma absurda preguiça em escrever. Sobretudo quando sei que escrevo unicamente pra mim: testemunha ocular de tudo o que me acontece. Não sei se, ao trocar o papel tradicional por esse feito de zeros e uns, me saio melhor. A esperança é a última que morre.