quarta-feira, 21 de março de 2007

A difícil arte de permanecer de pé

Aprendi a andar pouco antes de completar um ano de idade. De lá para cá, eu não parei mais de tropeçar. Minhas quedas são proporcionais à minha vontade de permanecer de pé. Carrego no corpo uma série de marcas dessa trajetória acidentada. Algumas são bem evidentes, como as dos joelhos, mas outras ninguém percebe a não ser que eu as mostre. Boa parte dessas marcas são resultadas de pura imprudência - imprudência essa muitas vezes consciente. Outras são o resultado de um simples descuido ou acidente.Humano que sou, carrego meus tropeços para a minha caminhada com Deus.

É estranho caminhar ao lado de quem não se pode ver de olhos abertos. Talvez seja por isso que eu caia tanto. Kierkegaard dizia que a experiência de fé era sempre um salto no escuro, em direção àquilo que não se pode ver. Às vezes eu quero ter a certeza plena de que Deus está alí do meu lado, e para isso eu abro os olhos, e tropeço. Talvez por substitui-lo, frequentemente, por algo visivelmente mais tangível. Nem sempre estou realmente à sua procura. É como se eu quisesse continuar a caminhada com o corpo enquanto meus olhos se deslumbram com outras coisas. E caio. Meus joelhos estão esfolados, mais pela queda em si do que pela atitude de me prostrar, arrependido. Deveria ser ao contrário, eu sei.

Sei que o meu pecado, essa palavra intimidadora que eufemísticamente venho chamando de tropeço, se deve basicamente à minha condição de humano e de saber que o erro me é inerente. Se cedo ou tarde eu sei que vou pecar, porque me esforçar tanto para resistir? "Não posso evitar, é minha natureza", respondeu o escorpião em uma fábula bem conhecida. Pensar dessa forma me fez, durante muito tempo, conivente com as minhas mazelas e com a minha própria covardia e omissão. Também carrego, neste caso, muitas cicatrizes. É preciso chegar bem perto para se ver algumas delas e, nem mesmo eu, tenho a noção exata de cada uma.

Mesmo querendo permanecer de pé, cedo ou tarde irei cair novamente. A Graça de Deus irá me encontrar e me restaurar mais uma vez, e outra, e outra, e quantas vezes for preciso. Infelizmente, é uma grande tentação querer legitimar a não resistência baseado nessa Graça que sempre me perdoa. Afinal, Deus não se lembra dos meus pecados. As cicatrizes, contudo, ainda estão aqui, espalhadas para que eu me lembre e me envergonhe. Não como um fantasma que não se exorcisa, e,sim, como marcos pela minha trajetória. Para que eu sempre me lembre de onde venho e de quem eu posso me tornar se insistir em caminhar sozinho.

Sei que cedo ou tarde vou tropeçar nos próprios pés, mas que seja cada vez mais tarde.

2 comentários:

Rosa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dri D disse...

ai (suspiro reflexivo) valeu por traduzir nossa trajetoria como cristaos humanos a partir da sua experiencia...