sábado, 15 de dezembro de 2007

Um pouco sobre mim, contado por mim mesmo e em um momento de extrema e rara lucidez

Se isso fosse um diário, eu começaria com meu primeiro ato, do qual, diga-se de passagem, não tive culpa alguma: meu nascimento. Rasgando o mundo às sete horas da manhã, minha epopéia começou me fazendo acordar cedo e essa sina pontuou a minha vida. Do tempo intra-uterino não me lembro de nada, pelo menos não que eu me lembre. Assim, já começo com um déficit de nove meses. Tempo esse envolvido em brumas líquidas e em pensamentos que ainda hoje me são um mistério. Talvez esses tenham sido meus pensamentos mais originais.

A primeira palavra inteligível que saiu da minha boca não teve glamour algum, mas teve lá seu toque de originalidade: titia. Não, não era um conflito materno nem uma retaliação a alguma mamadeira esquecida. Mais uma vez, fui vítima. Culpa da minha tia Suely (irmã da minha mãe, que posteriormente casou-se com o irmão do meu pai). Enquanto minha mãe trabalhava, ela cuidava de mim. Sabe Deus porque, ela decidiu que já era tempo de mexer nessas relações linguísticas. Diriam os mais reacionários que faço alarde por nada e que "titia" não nada demais. Feito seria ter dito paralelepípedo. Mas aí seria mais que original, seria quase demoníaco.

Eu creci num tipo de lugar que você nem se dá conta da beleza e majestade. Isso, até o dia em que se sai e se depara com um mundo gigantesco. Minh infância foi rica e preciosa. Repleta do encanto comum dos lugares mais afastados e retirados. Retiro do Muriaé. Quinta distrito de Itaperuna, cidade situada no noroeste fluminense (não o time, por favor). Itaperuna foi a primeira cidade republicana do Brasil. Em fevereiro de 1889 foi inaugurada a primeira câmara de vereadores desse nosso Brasil varonil (em nome de todo itaperunense, peço humildes desculpas por isso). Eu vivo repetindo esse conhecimento inútil como forma de não perder um certo orgulho interior e interiorano.

Em Retiro, o tempo passa muito devagar e às vezes dá a impressão absurda de nunca passar. Mas o tempo é inexorável e inexoravelmente passa. A minha infância definiu a minha vida de formas muito variadas. Ela me acompanha nas carências não supridas e no meu desespero em tentar ver algo novo nesse mundo já tão gasto de se olhar. Sou o primeiro filho de um total de quatro; e sou a prova viva de essa história de o irmão mais velho é sempre o mais mal humorado foi definitivamente inventada por algum irmão do meio, ou talvez um caçula.

A história não acaba aqui, afinal daqui a quatro dias eu completo vinte e sete primaveras. Isso é bem mais que um clichê. Realmente nasci na primavera, bem no finalzinho pra ninguém fazer um comentário maldoso.