terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Compadeça-se de nós, Senhor!


Um dos textos mais deliciosos que eu tive o prazer de ler nessa minha vida bandida foi Auto da Compadecida. A adaptação pro cinema foi fantástica, mas livro é livro e o saborear uma cena palavra por palavra sempre vai ser uma experiência maior. Uma das minhas passagens favoritas - se não A favorita - é o Julgamento de João Grilo. Lá pelas tantas, João cita um texto dos evangelhos e Jesus dá as coordenadas de forma mais precisa do que um Embaixador do Rei: Evangelho de São Marcos, capítulo treze, versículo trinta e dois. O diálogo que se segue é tão bom que não tenho coragem de parafraseá-lo:

JOÃO GRILO
Isso é que é conhecer a Bíblia! O Senhor é protestante?
MANUEL
Sou não, João, sou católico.
JOÃO GRILO
Pois na minha terra, quando a gente vê uma pessoa boa e que entende de Bíblia, vai ver é protestante. Bom, se o senhor não faz objeção, minha pergunta é esta. Em que dia vai acontecer sua segunda ida ao mundo?

Abstraindo o fato de que Jesus não era católico, nem protestante e muito menos cristão, esse diálogo ficou ecoando na minha mente por um bom tempo até deixar de ecoar. Mas os sons imateriais têm essa estranha habilidade de reverberar em alguma coisa e voltar aos ouvidos como se tivessem ecoado num instante anterior. Assistindo um vídeo hoje mais cedo, eu me lembrei dessa conversa de João e Manuel.

Essa relação direta que se fazia entre um protestante e o conhecimento bíblico sempre foi algo muito fácil de se observar no mundo em que eu cresci. Não sei se o fato de ter vivido pouco mais da metade dos meus 32 anos no interior tenha ajudado nisso, mas naquela época (e nem é tanto tempo assim) crente que era crente entendia de Bíblia. No geral, é claro. Não cairei na armadilha boba da generalização. Não quero ser levado por nenhum saudosismo piegas, mas como as coisas mudaram em menos de vinte anos! Quem lê a Bíblia hoje em dia?

Fico com a impressão de que hoje gasta-se mais tempo lendo os grandes best-sellers cristãos do que a própria Palavra para onde eles eventualmente apontam, quando apontam. E me apercebo de um mundaréu de gente simplesmente aprendendo a decorar e repetir palavras de ordem que pretensamente teriam o poder de abrir as portas dos céus. Ação essa que sequer se sustentaria diante de uma simples leitura de I Timóteo 6, por exemplo. E a isso se junta tantas outras viagens que nem sei enumerar. E a máxima bíblica permanece apontando para um povo que perece por falta de conhecimento.

Também me apercebo arrastado nesse processo, lendo, às vezes, mais Yanceys e Pippers do que Paulos e Tiagos. Boas leituras de fato, mas que não deveriam substituir minha leitura devocional da Bíblia. Minha sorte, talvez, é que nasci no interior e minha mãe colava versículos pela casa e a gente era incentivado a decorá-los. E como essa pedagogia me ajudou, entre outras tantas. Nessa época eu aprendi também que não devia substituir uma refeição substanciosa por uma outra mais fraca, mesmo que aparentemente mais apetitosa. A logo prazo eu seria cobrado.

Valeu, mãe! Bota mais essa na conta.


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