Eu ainda estou um pouco impressionado com a fatalidade ocorrida na Universidade Tecnológica da Virgínia. Eu deveria ser politicamente correto e escrever “chocado”, mas como não concorro a nenhum cargo político, posso me reservar o direito de ser apenas correto, pelo menos comigo. Tento esquecer, mas nenhum noticiário tem me deixado: uma semana de notícias diárias, talvez horárias. E aquele maluco, que de maluco não tinha nada, ainda ganha destaque na mídia e o vídeo com seu depoimento ganha o mundo, inclusive o Brasil. Um pseudo mártir de uma causa sem causa. Na mesma semana, uma operação policial num dos morros cariocas deixa, se não me falha a memória, 19 mortos. Apareceu um dia nos jornais; talvez dois.
Não venho aqui advogar que tragédias americanas sejam supervalorizadas, por mais que eu acredite que sejam. A grande questão mesmo é que não importa de onde a tragédia venha, ou quanto tempo ela seja exposta - a gente sempre se esquece. A dor alheia é uma névoa que se dissipa com extrema facilidade, e o meu coração anda embrutecido demais para perceber nuances tão delicadas. Eu sou um bruto de atos educados: a pior espécie.
O advento de Jesus instaurou a idéia do “amor ao próximo” naquele binômio em que os mandamentos eram resumidos. Na parábola do Bom Samaritano, o Messias faz uma pergunta inquietante, e eu faço da sua a minha própria pergunta: quem é o meu próximo? Confesso que o meu próximo não tem rosto, nem nome, nem qualquer identificação. Ele é apenas um dado abstrato. Tão desconhecido quanto os que morreram na favela ou no campus universitário. Eu não consigo amar o meu próximo porque ele não é uma pessoa. Ele é simplesmente um termo bíblico, um espectro teológico. Talvez seja eu mesmo quem não lhe confira um rosto justamente para não me comprometer.
O poeta russo, Maiakovski, escreveu que, enquanto todos tinham um coração do tamanho de um punho fechado, ele sofria de uma rara anomalia anatômica: ele era todo coração. Que doença terrível! Acredito piamente que Deus possa curar qualquer doença, e ele o faz com seus critérios misteriosos. Mas hoje eu quereria que a minha oração fosse ao contrário, e que, ao invés de curado, eu fosse adoecido, profundamente adoecido. Eu quero a doença de Maiakovski.
4 comentários:
Interessante e muito.
ahh eu tb queria essa doença ...
"Eu não consigo amar o meu próximo porque ele não é uma pessoa. Ele é simplesmente um termo bíblico, um espectro teológico. Talvez seja eu mesmo quem não lhe confira um rosto justamente para não me comprometer."
Excelentes palavras, meu amigo.
Simplesmente tocantes.
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