Eu me preparava pra dormir quando tive a impressão de que todas as luzes da casa dos meus pais haviam se acendido. Pelo vão da porta da sala transbordava um caudaloso feixe de luz. Demorei um pouco até me lembrar de que o sol nascia de frente pra nossa casa, mas não me demorei nada em subir as escadas e me apresentar ao sol. E eu fui literalmente alcançado por essa esperança matutina. Ali, debruçado no parapeito de uma janela, eu lembrei de muitas outras vezes em que um nascer do sol foi capaz de instaurar em mim um sentimento urgente de esperança.
Pensei também naquela manhã de um domingo de Páscoa, onde muitas pessoas acordavam com os olhos doídos de chorar e com as almas esfaceladas. Pensei naquelas mulheres que se arrastavam cabisbaixas e com o braços repletos de especiarias. Tento visualisar o túmulo aberto de Jesus, e o sol ganhando lentamente a superfície irregular da rocha entalhada, e os olhos daquelas mulheres ganhando os espaços vazios. Fiquei pensando que naquela manhã a esperança humana foi elevada ao ponto mais alto. E essa mesma manhã vem iluminando a minha vida ainda mais que o sol, e toda esperança que tenho é o eco desse grito contra a morte.
Sou todo feito de esperança.
Que mistérios haverá
Por trás de um raio de sol?
Tu não sabes, nem mesmo eu.
Mas chega-te à janela,
Fecha os olhos e verás.